5 de jun. de 2011

Peças não encaixadas na questão de Belo Monte

Quando me proponho a refletir sobre a questão de Belo Monte, levanto inúmeros aspectos sobre a questão, de maneira tal que consiga pensar o empreendimento como uma atividade sustentável nos mais diversos aspectos. Não apenas como um empreendimento base para o desenvolvimento da indústria eletrointensiva.
Certamente, que nenhum de nós, ambientalista ou não é capaz de negar a base que a usina representa para o avanço econômico em nosso país, em especial no que diz respeito à geração de energia. Se o Brasil não for capaz de gerar energia para sustentar o desenvolvimento econômico, certamente perderemos nosso diferencial competitivo em relação ao BRIC, e estaremos fadados a ficar olhando um mar de oportunidades irem para Índia e China e Rússia, que apesar de também comporem o BRIC, não possuem as vantagens como uma mesma língua, alta convivência com as diversidades, alta disponibilidade de recursos básicos como água, terras agriculturáveis além de um estado sólido e democrático.
Recentemente foi publicado novo balanço da economia brasileira do pelo Ministro Guido Mantega, onde o Brasil já figura como a sétima economia do mundo, superando de acordo com o poder de compra da moeda potencias econômicas como França e Inglaterra. A revista The Economist - mais respeitada revista de economia do mundo, publicou nos últimos anos duas capas sobre o Brasil e uma série de dados e análises provando por que o Brasil é o melhor país do BRIC para receber investimentos os grandes investimentos que estão saindo da Europa e EUA. A previsão é de que nos próximos anos tenhamos um novo fluxo migratório, equivalente ao fluxo que tivemos no fim do século XIX, mas desta vez de técnicos.
No entanto, apesar de todas as evidências de que estamos prestes a dar o grande salto em nosso desenvolvimento, e apesar de importância estratégica que possui a geração de energia, os questionamentos levantados sobre  Belo Monte é quanto ao paradigma de desenvolvimento que tem sido levado em consideração para o desenvolvimento da obra, em até que ponto o empreendimento leva em consideração os paradigmas do desenvolvimento sustentável, que traz incorporado uma noção sistêmica da economia ou até onde ele está apenas reproduzindo o modelo de desenvolvimento pôs-guerra, pautado no consumo como uma maneira de aquecer a economia. Hoje o mundo ganha progressivamente a consciência de que o planeta não suportará mais 50 anos de desenvolvimentismo. Não pensar a economia tendo como base o triple botton line é certamente condenar um mundo que chegará a 8 bilhões em 9 anos a ter desigualdades e conflitos muitos maiores do que os que já enfrentamos.
Tendo estas questões é que precisamos refletir sobre a usina de Belo Monte, não a partir de uma perspectiva de contra ou favor, não se tratam mais de dois lados, mas sim de conseguir incorporar a sustentabilidade à usina, e na inexistência desta possibilidade, pensar em como iremos construir as bases para o nosso desenvolvimento sem agir de maneira predatória com o planeta e com as pessoas.
Sobre tal perspectiva, faço a seguir um levantamento dos principais pontos mal resolvidos sobre Belo Monte, tendo como base dados do EIA/RIMA elaborado pela empresa Leme Engenharia sob encomenda do Ministério de Minas e Energia, Relatório do Painel de Especialistas, entregue cinco meses após o EIA/RIMA ao mesmo Ministério e com uma abordagem crítica sobre o estudo oficial, e pesquisas feitas com o Movimento Xingu Vivo Para Sempre e principais jornais órgãos de imprensa do país. Neles, o principal foco de atenção não é quanto à área desmatada em si, isto é balela em comparação com o desmatamento provocado pela soja e criação de gado, mas sim no que diz respeito às consequências sistêmicas do empreendimento. Os pontos são:
  • Falta de perspectiva quanto ao futuro da população local, que possui uma economia fundamentada na pesca e que será afetada com os alagamentos (de acordo com o EIA/RIMA, a população desabrigada será de 18mil pessoas, número contestado no painel de especialistas, uma vez que a média utilizada para este calculo foi a média nacional de 5,5 pessoas por família, enquanto que na Amazônia a média é de 7 pessoas). Faltam planos consistentes sobre qual será o futuro desta população, até mesmo no que diz respeito a infraestrutura básica, em especial tendo a falta de precisão dos dados.
  • Danos ao patrimônio arqueológico causado pelas inundações;

  • Aumento significativo do barulho da região, o que interfere diretamente na fauna local, em especial na população de pássaros, que exerce um papel chave como polinizadores. E que tendem a se afastar em especial por dificuldades que encontrarão para reproduzirem.
  • Formação de poças e mudança na qualidade da água, o que contribuirá com a formação de ambientes propícios a reprodução de mosquitos, como o responsável pela transmissão de febre amarela, doença já endêmica na região. Somado com a falta de infraestrutura e erros de previsão da população migrante, este fator pode se tornar em um grande desastre humanitário.
  • De acordo com os cálculos dos empreendedores, a perspectiva é de que aproximadamente 100 mil pessoas migrem para a região (obras similares possuem um histórico de migração de 150 mil pessoas) em decorrência dos 18 mil empregos diretos gerados no auge das obras, com o termino, restarão apenas 700 empregos diretos e 2,7 mil indiretos, para uma população de 32 mil pessoas que devem permanecer na região. É difícil imaginar que tal população se comporte como a protetora da floresta, uma vez que precisarão garantir a própria sobrevivência.
  • Na região do Xingu, diretamente afetada com o desequilíbrio ecológico gerado com a construção da usina, vivem 16 etnias, que terão de adaptar o seu modo de vida, gerando uma perda de costumes e tradições, uma vez que a sua cultura está fundamentada na floresta, Estes povos tendem a desaparecer completamente no aspecto cultural após séculos vivendo na mesma terra. De acordo com parecer técnico publicado pela FUNAI, a recomendação foi de que o órgão não emitisse um parecer sobre a usina, recomendação contrariada por seu presidente.
  • A perspectiva é que a usina entregue os 11MW em apenas quatro meses do ano, entregando-nos nos outros meses entre 30% e 40% de sua capacidade, fator que gera questionamentos quanto à viabilidade econômica da usina, e consequentemente forte presença estatal no consórcio. Em situação sem precedentes, o BNDES deverá financiar em 30 anos a obre com dinheiro do FAT. É também a falta de viabilidade econômica é o que fará a justificativa para a instalação de novas barragens que venham a viabilizar economicamente o empreendimento em médio e longo prazo.
  • De acordo com estudo oficial, serão atingidos pela obra os municípios de Altamira, Senador José Porfírio, Anapu, Vitória do Xingu, Pacajá, Placas, Porto de Moz, Uruará, Brasil Novo, Gurupá e Medicilândia, no entanto, apenas Altamira, Vitória do Xingu e Brasil Novo receberam audiências para consultar a população sobre a obra. Da mesma forma como não foram realizadas as oitivas Indígenas pelo Congresso Nacional, previstas na Constituição Federal e na Convenção OIT 169 da qual o Brasil é signatário. De maneira que os planos feitos para mitigar os impactos não atendem aos critérios básicos, que é o de escutar os stakeholders diretamente envolvidos.
  • Pressupondo a não existência dos pontos acima, que não tem recebido a importância equivalente, a recente questão levantada pelo MPF diz respeito a 40 condicionantes estabelecidas pelo IBAMA para a liberação da licença e que não foram cumpridas totalmente até o ato de expedição da licença, condicionantes que dizem respeito a ações como construção e reforma de escolas e hospitais, providências para o reassentamento de famílias atingidas pela barragem, recuperação de áreas degradadas, garantia da qualidade da água para consumo humano na região, iniciativas para garantir a navegabilidade nos rios, regularização fundiária de áreas afetadas e programas de apoio a indígenas. Deixando a região sem perspectivas quanto ao futuro, uma vez que nem mesmo os critérios técnicos têm sido atendidos, estando claro o uso do IBAMA e FUNAÍ como órgãos políticos para legitimar a usina.
Como já abordado no inicio deste texto, contestar o papel estratégico que a geração de mais energia traz para o desenvolvimento do país é sem cabimento. No entanto, o apelo destes argumentos é para que sejamos capazes de propor uma discussão cientifica sobre a questão, e não fundamentada na opinião de um ou outro grupo.  A média prazo, os grupos favoráveis a construção da usina são os grandes vencedores em detrimento do meio ambiente e população local, em longo prazo, talvez nenhum grupo saia vencedor destes entraves muito políticos e pouco científicos, em especial no que diz respeito a sustentabilidade da vida no planeta. Precisamos sim garantir energia, mas antes disto ampliar o debate para que tenhamos uma perspectiva sustentável sobre a questão energética, com a segurança de estarmos construindo o Brasil do futuro, e não apenas a quarta economia do globo.

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